Síndrome Do Ninho Vazio:
O Impacto Da Saída Dos Filhos De Casa Na Vida Dos Pais
Ver seus filhos crescerem, construir suas vidas e consequentemente deixar a casa dos pais, é um processo natural da vida, mesmo sabendo que esse dia irá chegar, muitos pais não conseguem se preparar para o sentimento que virá com a casa vazia, acarretando assim, na síndrome do ninho vazio.
O que é a síndrome do ninho vazio?
A saída dos filhos da casa de seus pais é um processo natural, é apenas mais uma etapa de crescimento e evolução. O sentimento de solidão física ou mental que atinge os pais ou tutores quando seus filhos/as deixam seus lares é conhecida como a síndrome do ninho vazio. Independentemente de ser homem ou mulher, ter ou não emprego, ou algum outro interesse fora da família, essa etapa evolutiva faz com que os pais se sintam profundamente abatidos, gerando problemas físicos e emocionais.
Os sintomas variam de pessoa para pessoa, pode causar tristeza, vazio, sensação de inutilidade, incapacidade de concentração, fadiga, preocupação excessiva, e até sentimento de culpa. O processo de adaptação é lento, pois toda a rotina de convivência será modificada, o que poderá causar crises entre os membros familiares envolvidos. É uma fase difícil até mesmo para alguns pais que se sentem satisfeitos por terem cumprido seus papéis para a independência dos filhos.
O Bem Estar, entrevistou uma mãe que passou por isso e superou, e também uma psicóloga especializada, esperamos que se inspire, confira:
Apesar de sentir-se realizada ao ver a única filha casar e estruturar uma nova vida, Hebe desmoronou quando se viu sozinha em casa, em 2017.
“Quando eu falava dela, sentia uma vontade incontrolável de chorar. A razão dizia que eu precisava construir novos laços, mas o sentimento era de não querer conversar com outras pessoas”, conta Hebe, hoje com 52 anos e viúva há 13.
Formada em Economia, ela trabalha como bancária há 29 anos em Jundiaí (SP). Apesar de gostar do trabalho, não conseguia lidar com a solidão e sentiu dificuldades para recriar a rotina, agora voltada para si e não mais para a filha Ana Carolina.
“É difícil não ter mais uma pessoa para cuidar e conversar. Eu não fazia muita coisa sozinha, a maioria do meu tempo era para ela, com ela e por ela”, diz Hebe. “Ela tinha atividades durante o dia, mas a gente sempre conversava quando ela chegava em casa, mesmo que fosse tarde da noite. Eu não ficava totalmente sozinha.”
Após a saída da filha, Hebe começou a apresentar sintomas depressivos: só saía de casa para trabalhar e visitar os pais, sentia dores intensas no corpo e vontade constante de chorar.
Em abril de 2018, após 11 meses, Hebe decidiu buscar uma psicóloga e foi diagnosticada com a síndrome do ninho vazio (SNV), caracterizada pelo sofrimento dos pais após o esvaziamento da casa pela saída dos filhos.
“Abri mão das minhas coisas pensando apenas nela. A gente se apega e acaba se esquecendo um pouco da gente”, afirma.
Apesar de não se arrepender da dedicação à filha, Hebe hoje reconhece a importância de buscar outras atividades de seu interesse e de construir a si mesma em outros papéis além da maternidade.
“Se eu já tivesse feito isso antes dela sair, talvez não sentisse tanto essa ausência. Não é largar os filhos, mas criar vida além deles.”
Se antes esperava convites para sair de casa, agora Hebe busca viver de outra maneira. “Chorava a ausência dela e pensava que alguém poderia me convidar para sair. Agora não fico mais lamentando e tento convidar as pessoas”, conta.
Hoje, Hebe acompanha Ana Carolina por telefone e nos almoços de fins de semana. Apesar de ainda sentir falta da filha, ela considera que o contato não se perde: apenas se transforma. “Os filhos precisam seguir o caminho deles e nós que temos que buscar o nosso, sem a presença deles tão constante.”
Dificuldades para diagnosticar
Segundo a psicóloga Adriana Sartori, mestra no tema pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a síndrome do ninho vazio (SNV) começa como uma tristeza leve e pode evoluir até a depressão.
“Só se pode falar em SNV quando esse sofrimento se estende por mais de seis meses e impossibilita os pais de continuarem sua rotina com o mesmo prazer que tinham antes dos filhos saírem”, explica a psicóloga.
Ela afirma que há poucos estudos sobre o tema no Brasil e que a síndrome é difícil de ser diagnosticada, pois costuma ocorrer simultaneamente a outros processos desafiadores – como a aposentadoria, o envelhecimento e o adoecimento dos próprios pais.
Outro fator que dificulta o diagnóstico é a falta de um prognóstico adequado que investigue os fatores emocionais por trás dos sintomas físicos comumente apresentados por pacientes com a SNV, como cansaço e dores musculares extremas.
“As políticas públicas de saúde no Brasil enxergam tudo separadamente. Sem verificar se há um ninho vazio, o tratamento para um quadro depressivo pode ser ineficiente e o paciente voltará”, avalia Sartori.
Em sua pesquisa de mestrado, a psicóloga conversou com muitos pais que acabaram buscando em casas de bingo um conforto para a solidão do ninho vazio e constatou que, quanto mais intensa a SNV, mais graves serão os sintomas de vício em jogo.
“Se um pai ou uma mãe já tiver dificuldades prévias de controlar os impulsos, o esvaziamento da casa aumenta o risco de eles desenvolverem outros transtornos de impulsividade, como a cleptomania, a automutilação e o consumo intenso de comidas ou álcool”, afirma a pesquisadora.
Diferença entre gêneros
Ainda que as mulheres tenham conseguido maior inserção no mercado de trabalho nas últimas décadas no Brasil e tenham outras responsabilidades além da criação dos filhos, a síndrome do ninho vazio ainda é mais frequente entre as mães.
“Hoje, é comum encontrarmos pacientes homens falando do ‘vazio’ após a saída dos filhos. Mas as mulheres ainda são mais atingidas pela síndrome por passarem mais tempo do que eles na criação dos filhos e manutenção da casa”, argumenta Sartori.
Segundo dados do IBGE, em 2016 as mulheres dedicavam uma média de 18 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, 73% a mais do que os homens (10,5 horas).
Segundo dados do IBGE, em 2016 as mulheres dedicavam uma média de 18 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, 73% a mais do que os homens (10,5 horas).
A psicóloga explica que a menopausa é outro fator que diferencia o impacto da SNV entre homens e mulheres. “Quando elas ocorrem simultaneamente, a síndrome intensifica sintomas negativos da menopausa, como ansiedade, cansaço, depressão e alterações na libido, memória e humor”.
Preparar a saída
O sofrimento causado pela SNV não se relaciona somente à saudade e a solidão dos filhos, mas também à falta de preparação prévia dos pais para essa fase da vida.
“A prevenção é sempre o melhor remédio. As pessoas precisam começar a se preparar para essa fase e buscar outras vivências além dos filhos: sair com amigos, praticar atividades físicas, estudar, viajar. Falta de saúde social também faz adoecer”, afirma Sartori.
Ela diz que o esvaziamento da casa pode ter impactos diferentes sobre o casamento dos pais dependendo da maneira como eles construíram a relação.
“Não é difícil haver divórcios nessa fase porque muitos não suportam a pressão de se ver frente a frente com o parceiro. Perderam a intimidade, não sabem o que o outro gosta e só se enxergam como pai e mãe. Tudo isso faz o casamento perder sentido.”
Ela aponta, porém, que há também casais que se fortalecem e usam o tempo antes dedicado ao filhos para buscar novas atividades juntos. Foi isso o que aconteceu com a aposentada Francisca de Oliveira Pereira, de 74 anos.
Ela aponta, porém, que há também casais que se fortalecem e usam o tempo antes dedicado ao filhos para buscar novas atividades juntos. Foi isso o que aconteceu com a aposentada Francisca de Oliveira Pereira, de 74 anos.
“Quando ficamos só nós dois, os horários começaram a se alinhar e tínhamos mais tempo juntos, inclusive para namorar”, lembra Francisca, viúva desde 2015.
Antes disso, porém, a cada vez que um filho saía de casa para estudar ou trabalhar em outra cidade, ela se trancava no banheiro para chorar escondida. Quando o último filho saiu, Francisca decidiu voltar a estudar. Primeiro, concluiu o ensino médio e depois, aos 45 anos, cursou quatro anos de magistério.
“Fui estudar para suprir a falta deles. Foi bom porque eu tinha uma ocupação e melhorei meu português”, conta ela, que usou sua nova formação para passar dois anos como professora voluntária em um curso de alfabetização de jovens e adultos em sua cidade, Presidente Epitácio (SP).
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