sexta-feira, 15 de setembro de 2006

NÃO TE GOSTO EM SILÊNCIO


NÃO TE GOSTO EM SILÊNCIO

Não te gosto em silêncio porque te sinto distante...
Entre tua boca e a palavra mora talvez minha angústia
como entre o dia e a noite
vacila a longa dúvida do crepúsculo.
Não te gosto em silêncio, quando há em teus olhos,
pousados, dois estranhos pássaros noturnos,
e teus lábios emudecem como a fonte nos ásperos
e intermináveis invernos.
Não te gosto em silêncio quando te envolves
com as coisas que te cercam, como se fosses uma delas,
quando estás como as águas paradas, cuja beleza
é apenas o reflexo das estrelas.
Por isto te provoco e te atiro perguntas,
como pedras quebrando a impassibilidade do lago,
como pancadas no gongo que estremece e vibra
e te traz à tona para mim.
Não te gosto em silêncio, porque parece que atrás
de tua voz ainda se esconde alguém
que tu própria não conheces,
há alguém embuçado a ameaçar nosso sonho
e que só tuas palavras poderão expulsar.
Não te gosto em silêncio, porque preciso ainda
de tua palavra para te descobrir,
lanterna adiante de meu passo, alvorada desenterrando
na noite emaranhada meu indeciso caminho.
Porque preciso ainda que tua palavra chegue
como um vento forte arrastando nuvens,
limpando céus e horizontes,
levando folhas doentes, te descobrindo ao sol...
Um dia te gostarei em silêncio.
E então me recolherei em teu silêncio,
e procurarei a sombra,
como o pássaro na hora da tarde,
e porque o sol estará em nós
e nada turvará meu pensamento,
entre tua boca e a palavra
haverá apenas o meu beijo.
J.G.de Araújo Jorge

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