domingo, 22 de fevereiro de 2009

O SUSTO DO AMOR


Artur da Távola
Por que surge, inevitável, um medo, uma angústia, embrulhados no amor? Por que certo mal-estar grudado no bom, no leve, no misteriosamente revelado, no anteriormente intuído e desejado? Por quê?

Será medo antecipado da dor da perda? Será a certeza de que alguma forma de perda cerca a alegria de cada encontro? Ou será que essa angústia é a certeza de que na vigência do amor estamos ao mesmo tempo protegidos e desguarnecidos, entregues inteiros em nossa fraqueza, desvalia, necessidade, dependência, vontade de querer?

Pode ser, ainda, que a angústia ou o medo que se associam à revelação do amor, prendam-se a alguma emoção muito antiga, a "emoção inaugural". Seria o inevitável susto diante de qualquer nova prova, talvez porque as primitivas experiências, as nossas e as da espécie, nos assustaram, não se sabe o porquê.

Há, também, a antecipação da certeza de que na vigência do amor, alguma parte antes livre começa a terminar, sucedida por graves responsabilidades: o amor gerará seres, fecundará vidas. Essa incubada certeza promove a rápida passagem de um fluxo de angústia que logo se mistura ao sentido de desabafo e alívio, determinado pela certeza de um encontro profundo.

Estar amando é, pois, sentir o medo da entrega encorajadora. É perceber-se pego em flagrante existencial, no exato momento em que roubava do próprio ser o principal tesouro escondido. É sentir-se marginal das próprias defesas. É não controlar o ficar vermelho, o encabular em hora errada (certa). Estar amando é viver em público a auto-denúncia do melhor de que se é capaz.

O susto é uma forma súbita de enfrentar o que sempre tememos encontrar, aceitar ou admitir. O que nos é profundamente verdadeiro sempre vem de mãos dadas com as nossas maiores fraquezas, dependências, carências e necessidades. Daí o susto, daí a angústia, o frio gostoso do medo de amar, primo-irmão do medo de ser. Leia o idioma dos suspiros e lerá a fala do amor.

A constatação do amor trai uma pequena angústia, um medo no meio de tanta alegria! Mas condensa toda a carga do susto pela proximidade do enfrentamento da nossa verdade, seja qual for. É uma verdade da qual se tem distante noção e com a qual a gente prefere ou aprende a se relacionar apenas através de enigmas, fantasias e encantamentos, nunca com ela mesma, como é, do jeito que é.

O susto de estar amando, porém, pode ser, tão-somente, o abalo, o tremor, a inchação, o começo da excitação, aquele sentido da procura, modo e medo que faz as espécies se fundirem na noite dos tempos, na eterna tarefa de perpetuar a vida, não se sabe o porquê. Só se sabe que é bom, necessário, imperioso, determinado, vital, instintivo. Futuro e passado ao mesmo tempo: medo e emoção inaugural - a emoção de estar sendo eterno no que é dolorosamente provisório

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