domingo, 17 de setembro de 2006

Questão de Tempo


Certas palavras são tocadas por impulsos vindos de muito fundo. É como se fossem limadas pelo uso. Ultrapassam o significado e se enchem de significâncias. Começam a expressar variadas situações e passam a servir, como o sal, para uma série de alimentos.
Nada é gratuito na mente. Tampouco no fato de uma palavra emergir de seu sono de milênios e subitamente começar a se expandir para novos significados ainda sem terminologia, por isso recorrentes a expressões aproximadas.
Um diminuto espaço de 200m² na praia de Ipanema vale o mesmo que uma bela fazenda de muitos hectares. O espaço para andar na calçada diminui. O espaço de automóveis na rua é sempre menor. Espaço! Eis o que falta para a criança brincar e relacionar-se com a vida através da natureza! Espaço físico é ideológico: expressa um valor patrimonial ou social, sempre determinado por um sistema político.
O espaço não existe apenas objetiva e materialmente. O homem contemporâneo tem a concepção de seu mundo interior como um espaço. Tudo fala além do que deveria, os produtos materiais tem “alma”. A publicidade é capaz de recriar um automóvel como muito mais que um locomotor (louco/motor?). Ele “fala” além do que é. Um supermercado vende produtos, esta é a sua “fala”. Mas a publicidade pode colocar na camiseta de todos os seus empregados alguns slogans de amor. Margarinas aparecem preocupadas com os problemas cardíacos dos consumidores?!?!?!... Tudo tem uma “fala” além do que é. Bom é “genial”. Adrenalina vira adjetivo.
O espaço interno no qual habita a individualidade sofre os assédios de todas as tentativas de ocupação. O ser humano vai descobrindo uma verdade profunda: não é possível viver e procurar a própria identidade sem varrer o espaço interior de tantas invasões, quantas delas alheias ao ser profundo de cada um.
Ganhar o espaço (físico, psíquico ou mental) tem direta relação com a ânsia de transcender. Alçar-se no espaço significa arrancar os pés das limitações do dia a dia e da vida material opressora.
No espaço moram os deuses, os santos, as almas. Há uma ânsia de espiritualidade no homem contemporâneo que necessita de espaço para existir, e elevar-se por cima da trivialidade material, aplastante. Por tudo isso, a palavra “espaço” emerge, reconfigura-se, ganha novos e inusitados significantes, estende seu manto semântico, engorda, procria, transborda significados, ocupando misteriosamente a fala dos homens. Estes repetem-na sem perceber que, ao fazê-lo, estão clamando por todos os significados profundos que a acompanham, como um mirabolante cortejo de aspirações semiológicas. Mas não quero invadir o seu “espaço” com esta crônica boba. Ihh! Meu espaço acabou.
Artur da Távola
Secretário da Cultura do Rio de Janeiro

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